Os tambores conduzem os ritmos, tempos fortes e fracos soam: “Rum-Rumpi-lê. O pé no ar, o pé no chão, a alteração natural do tempo forte. Modos de fazer que explicam uma cultura que resiste! Esse é o bate papo de hoje- o projeto Rumpillezzinho.
O som não tem barreiras. A música é livre e navegou o oceano no corpo e memória de homens e mulheres que foram atravessados pela escravidão. Porém, a tradução desse universo de ritmos não encontrou na escrita eurocêntrica tradicional referência e sensibilidade suficientes para ser reproduzido e ensinado. É por isso que Letieres Leite observou e estudou a origem de nossas cadências e percebeu a necessidade da criação de um método. Além disso, trazia em sua bagagem vivências significativas: começou sua formação musical na Bahia, estudou na Áustria, tocou com músicos cubanos, produziu o Axé Music, mas, sobretudo, nasceu no berço das religiões de matriz africanas.
Tudo isso o levou a desenvolver o “Método UPB” (Universo Percussivo Baiano). A metodologia apresenta dois fatores importantes nas palavras de Letieres:
“1) as músicas estavam todas baseadas na estrutura rítmica da música negra, chegada no processo da diáspora moderna, com seu rigores e organização;
2) os ritmos que estavam sendo utilizados eram ritmos seculares e estavam sendo estilizados ou sintetizados de maneira fragmentada nas composições musicais”.
Assim, promover o encontro dos atabaques do Candomblé com os sopros de uma orquestra, a Rumpillezz, foi imprescindível para fundir a tradição oral – carregada de espiritualidade – à escrita musical. Essa experiência conseguiu unir música de ouvido, de olhar, de balanço, de ritmo e de sentir. A representação gráfica aproximada foi consequência. Trata-se, ainda, como disse o maestro, “de um sistema pedagógico aplicável para qualquer instrumento, um sistema em que o importante é a consciência rítmica e não somente a execução de padrões já conhecidos”.
E a influência da diáspora africana? Sim, ela é presente em quase tudo que se conhece no Brasil, mas ao mesmo tempo, se sabe que é pouco reconhecida, seja na cor da pele dos brasileiros, seja na valorização das pessoas, ainda mais os percussionistas que são chamados de batuqueiros em um tom pejorativo. Porém, são esses profissionais que trazem consigo o dna dos ritmos de matriz africana, as histórias dos tambores e dos toques preservados pelas culturas negras, e que se espalham por todo continente americano ressoados através do tango, da salsa, do jazz, do samba, do axé, do merengue e muitos outros.
Letieres Leite quer incluir na composição e nos arranjos musicais a tecnologia e a participação de sujeitos importantes para a música, mas sempre esquecidos – os percussionistas, figuras centrais no sistema de claves, e por meio disso, visibilizar modos pedagógicos de origem africana, sempre tão discriminados. O tal embranquecimento, ideologia racista muito presente em nosso país, toma conta também do cenário musical e isso é continuamente relatado por Letieres.
O que seria então o Método UPB? “O UPB é um método que busca ensinar a música popular brasileira a partir da consciência de um conceito estrutural ligado às suas matrizes negras, obedecendo suas regras, métodos e conceitos seculares, em comum acordo com os conceitos de aprendizado musical desenvolvidos a partir da tradição de ensino musical europeia”, resume Letieres. E ainda, a prática mostrou que o caminho proposto facilita a aprendizagem, e esse é um dos motivos da sua importância.
Mas não é só isso, que já não é pouco! Criar um método que preserva e destaca ritmos e micro ritmos que tiveram sua origem nos terreiros de Candomblé e desafiaram, por meio da oralidade, a repressão. A oralidade, neste caso, é usada para receber uma informação através de apropriações corporais e não por meio de um processo racional de leitura musical, há muita intuição nesse processo. O método tem como base a clave rítmica, a menor porção rítmica que define uma expressão sonora e é ensinado batendo palmas, batendo os pés, cantando. Ou seja, a consciência rítmica é o “pulo do gato”.
E tudo isso foi concretizado no projeto RUMPILEZZINHO: LABORATÓRIO MUSICAL DE JOVENS que propunha despertar a consciência para o sistema de clave rítmica ; valorizar o método de oralidade; abordar a dimensão histórica, social e política da música de matriz africana; despertar o sentido de coletividade no aprendizado e prática musical, sem deixar de lado o ensino formal de música. Chama a atenção que além de aprenderem música, os jovens incorporaram também a consciência crítica.
Por fim, se a oralidade é um dos pilares desse método, por outro lado, o corpo carrega o ritmo e a sonoridade que vibra em todo o universo-temperados pela cultura africana-, que valoriza a intuição. Com isso, fica a sutil sensação: sinto, logo existo!