Vivaldi e os sonetos do famoso concerto “As Quatro Estações”

Você sabia que o concerto “As quatro estações”, do compositor barroco Antônio Vivaldi, é acompanhado de sonetos?


É fato que pouco se sabe sobre essa composição poética – pode ter sido escrita pelo próprio Vivaldi, ou por um fã, que nesse caso, talvez tenha surgido depois da música, aparecendo como um complemento da obra musical.


Desde 1725, esse encontro desperta curiosidade das circunstâncias de como aconteceu! Imagine um tempo em que não havia registros de áudio e vídeo. A imprensa era recente e as famosas redes sociais virtuais não existiam. Pouco se especulava sobre a vida das pessoas, que não eram famosas como hoje- e olha que Vivaldi compôs 770 obras. É nesse universo que os sonetos de “As quatro estações” foram criados, sendo quatro, um para cada concerto. E ainda, é possível que fossem lidos durante a execução, ou alguém recitasse para o público durante o desenvolvimento da música.


Vivaldi, conhecido também como il Prete Rosso por ser um sacerdote católico de cabelos ruivos, nasceu em Veneza e estudou violino desde a infância. Em “ As quatro estações”, o autor apresenta harmonias ousadas e experimentais que descrevem cenas da natureza. Já pensou em observar a natureza e suas transformações e retratá-las em forma de sons surpreendentes?


Assim- Primavera, Verão, Outono e Inverno- encontram-se em forma de música e poesia. Incrível conexão que sempre esteve presente na arte – a união de sons e palavras. Seja pela rítmica, pela medida dos versos ou compassos, pela repetição e harmonização dos sons, pela criação de imagens, as duas linguagens andam muito próximas até os dias de hoje.


Por isso, escutar “As quatro estações” nos dá a sensação da passagem do ano em alguns minutos. Aquilo que sentimos pausada e progressivamente no decorrer do tempo, nos é desenhado de forma intensa e marcante através dos violinos, que são os protagonistas nesse concerto.
Ficam as perguntas- seria possível juntar todos os sentimentos relacionados à transformação da natureza em música e palavras tão belas? O canto dos pássaros, a mudança das flores e plantas, o vento e a brisa, tempestades e trovões? A sensação íntima de cada um acerca da temperatura e atmosfera de cada estação?



A PRIMAVERA

Chegada é a Primavera e festejando
A saúdam as aves com alegre canto,
E as fontes ao expirar do Zeferino
Correm com doce murmúrio.

Uma tempestade cobre o ar com negro manto
Relâmpagos e trovões são eleitos a anunciá-la;
Logo que ela se cala, as avezinhas
Tornam de novo ao canoro encanto.

Diante disso, sobre o florido e ameno prado,
Ao agradável murmúrio das folhas
Dorme o pastor com o cão fiel ao lado.

Da pastoral Zampónia ao Suon festejante
Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Da primavera, cuja aparência é brilhante.


O VERÃO

Sob a dura estação, pelo Sol incendiada,
Lânguidos homem e rebanho, arde o Pino;
Liberta o cuco a voz firme e intensa,
Canta a corruíra e o pintassilgo.

O Zéfiro doce expira, mas uma disputa
É improvisada por Borea com seus vizinhos;
E lamenta o pastor, porque suspeita,
Teme feroz borrasca: é seu destino [enfrentá-la].

Toma dos membros lassos o repouso
O temor dos relâmpagos e os feros trovões;
E de repente inicia-se o tumulto furioso!

Ah! No mais o seu temor foi verdadeiro:
Troa e fulmina o céu, e grandioso [o vendaval]
Ora quebra as espigas, ora desperdiça os grãos [de trigo].


O OUTONO

Celebra o aldeão com danças e cantos
O grande prazer de uma feliz colheita;
Mas um tanto aceso pelo licor de Baco
Encerra com o sono estes divertimentos.

Faz a todos interromper danças e cantos,
O clima temperado é aprazível;
E a estação convida a uns e outros
Ao gozar de um dulcíssimo sono.

O caçador, na nova manhã, à caça,
Com trompas, espingardas e cães, irrompe;
Foge a besta, mas seguem-lhe o rastro.

Já exausta e apavorada com o grande rumor,
Por tiros e mordidas ferida, ameaça
Uma frágil fuga, mas cai e morre oprimida!


O INVERNO

Agitado tremor traz a neve argêntea;
Ao rigoroso expirar do severo vento
Corre-se batendo os pés a todo momento
Bate-se os dentes pelo excessivo frio.

Ficar ao fogo quieto e contente
Enquanto fora a chuva a tudo banha;
Caminhar sobre o gelo com passo lento
Pelo temor de cair neste intento.

Girar forte e escorregar e cair à terra;
De novo ir sobre o gelo e correr com vigor
Sem que ele se rompa ou quebre.

Sentir ao sair pela ferrada porta,
Siroco, Borea e todos os ventos em guerra;
Que este é o Inverno, mas tal, que [só] alegria porta.

Então, seja de propósito ou acidentalmente, os sonetos que se unem ao concerto de Vivaldi são convites a fruição das sensações e sentimentos que os fenômenos naturais nos provocam. Leia e descubra esse encontro, não somente enigmático, mas envolvente e vibrante!!

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